Aplicação em cotas de fundos de investimentos no exterior equivale a depósito" em conta para configuração do delito de evasão de divisas
"A aplicação em cotas de fundo de investimento sediado no exterior equivale à manutenção de depósito de valores em conta bancária fora do país para fins de caracterização do crime de evasão de divisas, previsto no artigo 22 da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro (Lei 7.492/1986).
A tese de que o termo “depósito” não englobaria aplicações financeiras foi rejeitada pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar recurso de um brasileiro denunciado pelo crime de evasão de divisas.
O processo é decorrente da Operação Satiagraha, que investigou, entre outros fatos, as aplicações do fundo de investimentos Opportunity Fund, sediado nas Ilhas Cayman. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o réu tinha cerca de US$ 180 mil em uma aplicação no Opportunity em dezembro de 2002, valor não declarado à Receita Federal e que foi sacado no ano seguinte.
O relator do caso no STJ, ministro Joel Ilan Paciornik, afirmou que é necessário interpretar o termo “depósito” de acordo com os objetivos da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro.
Segundo ele, a lei não restringiu a modalidade de depósito. “Assim, não deve ser considerado apenas o depósito em conta bancária no exterior, mas também o valor depositado em aplicação financeira no exterior, em razão da disponibilidade da moeda e do interesse do Sistema Financeiro Nacional”, explicou"
Fonte: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Aplicacao-em-fundo-no-exterior-equivaleadeposito-em-conta-para-caracterizar-evasao-de-divisas.aspx. Acesso em 17 de agosto de 2019.
Definição ampla
O ministro citou doutrina jurídica recente para fundamentar o entendimento de que o termo “depósito” utilizado pelo legislador buscou abarcar todo tipo de investimento que fosse convertido em dinheiro, incluindo aplicações em fundos de investimento, ações, debêntures e outros.
“A suposta aplicação financeira realizada por meio da aquisição de cotas do fundo de investimento Opportunity Fund no exterior e não declarada à autoridade competente preenche a hipótese normativa do artigo 22, parágrafo único, parte final, da Lei 7.492/1986”, resumiu Paciornik.
Ele ressaltou que o Banco Central, na Circular 3.071/2001, já estabelecia que os valores dos ativos em moeda detidos no exterior deveriam ser declarados.
A Quinta Turma rejeitou também o questionamento do recorrente sobre a suposta ilicitude das provas, já que o tema não foi debatido no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e seria inovação recursal.
Leia o acórdão.
(…)
Esta notícia refere-se ao (s) processo (s): AREsp 774523
Neste julgamento, tivemos a honra de ter sido referenciado no aludido leading case, na seguinte forma: (….) Ainda, em manifestação mais recente, a doutrina de Leandro Bastos Nunes que, colacionando o acórdão do Tribunal a quo, entendeu por escorreita uma interpretação teleológica do termo “depósito”, cito (in Evasão de Divisas, 2ª Edição revista e ampliada – Salvador: Juspodivm. 2017. fls. 141/142): “A norma penal faz alusão à manutenção de “depósitos não declarados”. A nosso ver, o legislador, ao tipificar a expressão “depósito’, buscou abarcar todo tipo de investimento que fosse convertido em valor monetário (dinheiro), incluindo ações, cotas de fundo de investimentos, debêntures, entre outros. Nesse sentido, é cediço que, quem faz este tipo de aplicação, tem por escopo transformá-lo em pecúnia, assim que puder, detendo a disponibilidade imediata para seu uso financeiro. A mens legis deve ser efetivada, em virtude da técnica de interpretação sistemática e teleológica, haja vista que a finalidade do legislador foi a de proteger as reservas cambiais. Com efeito, afigura-se intuitivo o fato de que, ainda que as cotas do fundo de investimentos estejam no exterior sem previsão de imediata transferência à conta corrente, a aludida situação possibilita a sua disponibilidade imediata para serem convertidas em pecúnia, conforme os ditames da vontade do seu titular (solicitação de resgate, venda no mercado de ações, etc.). Nesse sentido, a interpretação teleológica é um método de interpretação legal que tem por critério extrair a finalidade da norma. Conforme a respectiva exegese, ao se interpretar um dispositivo legal,deve-se levar em conta as exigências econômicas e sociais, conformando-se aos princípios da justiça e ao bem comum (art. 5º da Lei de introdução às normas do Direito). O elemento teleológico pode ser explicado como uma maneira de desvendar o sentido da lei, descobrindo suas finalidades e objetivos. A palavra “teleologia’ significa “a doutrina acerca das causas finais’: a qual busca explicar as coisas pelos fins a que são destinadas. As finalidades de uma lei devem sofrer alterações ao decorrer dos tempos, em virtude da evolução da sociedade, cabendo ao intérprete revelar as novas finalidades, fazendo-o dentro de um trabalho sério e responsável, com observâncias de princípios do próprio ordenamento jurídico. De outro lado, vale registrar que os depósitos podem ter origem no exterior, ou seja, não é necessária a remessa no Brasil e a posterior manutenção em outro país, podendo, para configurar o delito, incidir, por exemplo, na hipótese da respectiva transferência de uma conta no exterior para outra em outro país. Deve-se incluir no conceito de depósito qualquer tipo de investimento no exterior aplicado no sistema financeiro, tais como, ações, fundos ou cotas de fundos de investimentos (incluindo previdência privada), haja vista o escopo da norma em tutelar o controle das divisas situadas no exterior, abrangendo os respectivos depósitos oriundos de quaisquer tipos de aplicações financeiras, com base na hermenêutica da interpretação sistemática e teleológica (…) “( STJ, 5ª Turma, Rel. Joel Ilan Pacirornik, Agravo em recurso especial 774.523, j. 07/05/2019).
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